quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
O novo costuma assustar. A rotina, apesar de ser condenada pela língua de todos, costuma ser muito melhor aceita que a surpresa, que o novo, que o inesperado, pois tudo isso exige do ser humano uma complexa mudança de comportamento, um jogo de cintura todo especial e, além disso, a admissão que nem sempre estamos no controle das coisas, que alguma coisa em nossas próprias vidas nos escapa de nossa onipresente presença nelas.
Maria, como muitas outras pessoas nesse mundo, não sabia lhe dar muito bem com o que fosse de fora de seu planejamento e o harmonioso reger daquele dia não estava sendo nada condizente com seus planos.
O dia realmente tinha sido estressante no trabalho, exigindo dela mais do que realmente estava disposta a dar e dando menos que exigiam receber. O resultado dessa equação nada mais é que um estrangulamento do próprio eu, que morre no ápice do desentendimento consigo e renasce em muitas formas. No caso da mulher e da Maria, a mulher em questão, costuma renascer em forma de demônio.
Interessante mesmo é como os homens tratam da situação quando surge diante deles tal aparição. Nada na vida os prepara para tal enfrentamento, pois uma mulher nessas condições é uma ameaça direta ao orgulho masculino, uma vez que em suma, homens acreditam que tratar com uma mulher é questão de escolher as palavras certas. A ignorância dos homens ai os condena a um eterno retorno, o da bestialidade.
Os homens costumam dar nomes as fases que a mulher passa, talvez numa tentativa pífia de chegarem o mais próximo de a entender. A fase mais conhecida de todas é a famosa TPM e foi o que vários homens do escritório achavam que Maria tinha no final do dia quando ela partiu pra casa. Finalmente o dia tinha acabado.
Não pra Maria.
A roleta russa só termina quando atinge alguém, e a vez era do rapaz alto e magro que se aproximava da mesa que Maria estava na padaria próxima ao trabalho. Costumava ir lá vez ou outra só pra beber e odiar o mundo de passagem:
“Posso me sentar um pouco aqui?” – perguntou o cara que era todo sorriso.
“O que há com as outras mesas da casa?” – devolveu ela.
“ Não há nada – sorrindo – e é exatamente por isso que queria me sentar com você, já a vi algumas vezes aqui e sinto vontade de conhece-la”.
“Hummm! Quanta pretensão! Sabe o que é exigido pra conhecer uma mulher?” – pergunta isso pronta pra passar a arma.
“No seu caso bom gosto” – plá e arma estoura nas mãos dele.
“Não amigo – começa Maria um tanto séria – mentir só ajuda no começo quando decidimos aliviar. A pergunta foi clara e você não entendeu mesmo assim, estava pensando com a cabeça errada. Mas estou disposta a ser legal com você e vou te passar a cola pra quando a vida exigir de novo essa resposta de você.
Pra se conhecer uma mulher é necessário inteligência, sensibilidade, uma dose de sacrifício do ego, coragem e paciência tudo isso trabalhando como uma grande orquestra, em uníssono com nada fora do lugar e é exatamente por isso que nenhum homem já mais conseguiu conhecer uma mulher, pois nenhum conseguiu reunir tudo no isso ao mesmo tempo no mesmo caráter.
Mas ao menos você tem coragem.”
Maria se levantou, pagou a conta e se foi.
“TPM é foda!” –foi o que pensou o homem da roleta.