A mão que balança o berço(Causos do menino que crescia)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008


Lembro a forma cuidadosa como estiquei a toalha em cima da mesa e como que, com alguns gestos de mão, espanava uma ou outra sujeira imaginária que havia por ali.
Lembro também que àquelas mesmas mãos horas antes castigavam uma massa que logo seria nossa refeição.
Minha falta de maturidade me fazia sentir homem grande, afinal de contas eu tinha preparado aquele almoço sozinho, sabe, coisa de homem moderno e dedicado a mulher com um leve toque de romantismo. Engraçado pensar nisso agora.
Voltando mais um pouco, penso nos anos anteriores ao daquele almoço, quando nos conhecemos, muito tempo antes alias. Eu tinha os pés descalço e jogava bola com os amigos, nas ruas por asfaltar de minha casa, ela era só uma garotinha que fazia pose de mulher crescida e olhava aqueles pirralhos todos com ar de desgosto.

Exigiu mais de mim que dela estarmos dividindo aquela mesa, de vê-la sorrir, surpresa com tudo, de sentir que ela estava orgulhosa seja lá com que fosse ali.
Não digo sobre o preparo da comida, mas falo do percurso até ela.
Tive que aprender dia-a-dia todas as verdadeiras malícias da vida, tive que deixar os pés descalços no pretérito e transformar as confusões que gostava tanto de entrar em histórias de mesa e de amigos.
O mais difícil e talvez a lição mais valiosa que ela exigiu de mim foi no ato de aprender a chorar. Eu tive que parir essa habilidade, doeu, como dói o nascimento do novo e como um rio rompendo uma barragem eu o fiz, tentando vencer a vergonha e ao mesmo tempo descobrindo que não era vergonha nenhuma chorar por algo que ser quer.

A conversa naquele dia foi bem leve a não ser por um momento, me lembro.
Falávamos sobre fazer ou não faculdade, sobre os amigos de infância, sobre temperos e o fato de elas se sentir constrangida por eu (segundo sua bondade) cozinhar melhor que ela.
Uma fatia daquelas palavras ainda reverbera em minha cabeça:

- Sabe que você pode ser melhor que tudo isso, não? - sua voz ali era de pesar
- Sabe que não gosto quando fala assim, como seu eu fosse melhor do que apresento.
- Mas sabe que tem potencial pra ser, tem tanta inteligência no planejamento, só falta disposição para execução.

Eu realmente odiava quando falava assim comigo, me sentia como uma criança que faltou à alguma aula.
Acontece que crescer dói e tratamos os agentes do crescimento como algoz.

- Ta bom! Ta bom! Sei que tenho que melhorar alguns aspectos da minha personalidade, mas não quero estragar esse dia falando de mim - rimos alto e todo o peso da conversa se foi.

Tenho muitas saudades dela, pois, em alguma curva mal feita de nossas vidas fomos separados, ela e eu fomos indo de vagar até cada um sumir no horizonte do outro.
Costumo imaginar como ela esta, se tem filhos, se terminou a faculdade comprou uma casa algum lugar e dorme mal por causa das dívidas.
Se ainda se lembra de mim.

Eu mudei muito desde que nós vimos pela última vez, e ela foi parte no processo, só lamento dizer que uma coisa não mudou, cozinho tão mal quanto antes.

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Agradeço a gentileza de duas pessoinhas muito bacanas que me presentearam cada uma com um selo, são elas a Arlequim e minha nova velha amiga Barbarella.
Agradeço sempre a presença das duas aqui.
Eu os ofereço a todos da minha lista de blogs ai ao lado, sirvam-se, está la em baixo. :)
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Quero oferecer esse texto a minha doce amiga TG, amigas das horas tardias e fã dos causos do menino que crescia.
A você com carinho.

19 comentários:

Barbarella disse...

Meu novo velho amigo,


quer dizer que além de inteligente e criativo, és uma romântico....

tá explicado a habilidade com as palavras ao falar de nós mulheres, fico feliz de saber que tenho uma amigo assim...

"..em alguma curva mal feita de nossas vidas fomos separados.."

Tens razão, estas curvas mal feitas em nossas vidas, por vezes, infelizmente, nos custam a perda de pessoas significantes. Mas para compensar tal melancolia, a vida sempre nos presentea com mais e mais amigos...

E que bom que a vida me presenteou com a sua amizade, é sempre conhecer pessoas como você, faz a vida ficar mais divertida...

bjos

Anônimo disse...

Ainda bem que a bronca surtiu efeito, porque é mais um bonito texto seu. É autobiográfico?

Não nos abandone mais por tanto tempo!

Beijos.

Carla M. disse...

Marcinho,
Eu me pergunto se nós não somos apenas as encruzilhadas em que encontramos pessoas. Acho que sim, um pouco a estrada entre uma encruzilhada e outra, um pouco avenida, onde vamos passando pelas pessoas que não percebemos.

lindo texto amigo, tava fazendo falta.

beijo,

Camilíssima Furtado disse...

Inteligente, romântico e modesto... duvido que cozinhe mal... Ainda que assim seja, tens os temperos das palavras e sabes, como poucos, misturá-los na dose certa. O equilíbrio perfeito entre masculinidade e sensibilidade... Poderia escrever inúmeras linhas a respeito de teus textos, mas opinião de fã é sempre suspeita e eu sou tua fã, a cada dia mais.

Anônimo disse...

tenho vergonha de pessoas que cozinham mal...
ou seja:
ce me mata de vergonha!!!

PS: e eu tb me mato de vergonha... nem ovo eu sei fritar.

Ana Karenina disse...

É incrível acompanhar o crescimento desse menino. É deliciosa a forma como tu escreves.
Te leio sempre e gosto mais e mais.

Beijão, Sarge.

Anônimo disse...

È que as vezes pe preciso ficar longe de quem se ama pra decidirmos se o caminho é este ou aquele....

beijos!

Lari Bohnenberger disse...

Lindo texto!
Às vezes ficamos tristes com as separações que são normais nas diversas curvas da nossa estrada, mas se essas separações não existissem, se todos que em nossas vidas chegassem ali permanecessem, as lembranças não seriam tão valiosas!
Bjs!

Stephanie disse...

Marcio,

vivo me perguntando até que ponto não somos sempre crítico cruéis consigo mesmos. Certo que nossos amigos e outras pessoas muito próximas sempre acabam vendo na gente um certo 'potencial a ser desevolvido' (que às vezes não temos ou não vemos, ou não queremos, porque é difícil você bem disse) - mas será que não tem horas em que a gente simplesmente precisa deixar que as pessoas vejam o que há de bom em nós e gostem disso?

bom causo.

beijo

Jú Carvalho disse...

Sarge, seu infeliz, nesse tempo sumida, admito q foi daqui q senti mais falta!
E volto e me deparo com isso... Poxa quebra minhas pernas !!
Tô qs em prantos aqui, sabe com aquela lágrima no canto do olho.
Não sei, como vc consegue.
Quer dizer, sei sim.
Vc sabe brincar com as palavras e dar sentido à ela. E que sentido....
Até eu sinto!

sou fã da menina desse "menino"

;**

Jú Carvalho disse...

Sarge, seu infeliz, nesse tempo sumida, admito q foi daqui q senti mais falta!
E qnd volto e me deparo com isso... Poxa quebra minhas pernas assim rs !!
Tô qs em prantos aqui, sabe com aquela lágrima no canto do olho.
Não sei, como vc consegue.
Quer dizer, sei sim.
Vc sabe brincar com as palavras e dar sentido à ela. E que sentido....
Até eu sinto!

sou fã da menina desse "menino"

;**

Laila disse...

O menino que crescia é você?
Se é, parabéns pela sensibilidade, não é todo mundo que se abre assim.
Se não é, é lindo e é massa conseguir descrever sentimentos mesmo sem senti-los.
De todo jeito, opção 1 ou opção 2, o texto é ótimo!

Laila disse...

se vc tiver um cursinho de instruções básicas sobre divulgação eu aceito!
a tradicional boca a boca tem sido meio falha, pq meus colegas de classe e etc não parecem se interessar muito...

Carla M. disse...

guri!

passa lá no meu blog que tem presentinho pra ti!

beijocas,

Edu França disse...

A evolução custa e o tempo afeta a todos, mas esse tempo preservado é precioso e haverá uma dia que isso figurará como livro de contos de fadas!

Barbarella disse...

Toc toc...

Barbarella disse...

É a Barbarella...

Barbarella disse...

A Barbarella, sua leitorinha mais assídua querendo post novo... rsrs

bjo

Ellen Regina - facetasdemim disse...

Olá Sarge, tem um selo para vc lá no facetasdemim.

ellen regina.
www.facetasdemim.blogspot.com

 
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