quarta-feira, 29 de outubro de 2008
...então eles viveram felizes para sempre.
O velho fechou o livro e olhou para o garoto na cama sabendo muito bem que ele não havia dormido:
- Vô? Todo mundo que se casa vive feliz pra sempre?
O velho ali sentado traça mais uma ruga em seu rosto quando ri da questão:
- Não Igor, alguns são felizes por bem pouco tempo.
O garoto olha ainda interrogativo para o avô, se ergue na cama e solta:
- E você e a vó são "feliz" pra sempre?
Aquela pergunta feita tão despretensiosamente, de súbito o envolve em um redemoinho de lembranças que logo o leva ao dia em que a conheceu.
"Posso me sentar aqui, senhorita?"
Tinha um frescor, uma juventude, um sorriso tão belo.
A cena se vai, a onda de lembranças arrebenta forte em sua cabeça, voraz, e logo esta ele em outra ocasião, anos depois no namoro.
"Não vê que eu te amo, Marina?"
"Eu te odeio, Jorge!"
Por que foi mesmo que brigamos...
Não há tempo pra resposta, o turbilhão logo o leva ao dia exato de seu casamento, horas antes.
"Jorge, esquece ela, vem comigo"
"Não Inês, é ela que escolhi, além do que ela espera um filho meu"
"Pode beijar a noiva"
Rápido como uma brisa noturna mais um pensamento lhe assalta.
"Estamos ferrados Marina, eu fui demitido"
"Tenha fé Jorge, vamos conseguir"
Com um estalo ele se lembra do tapa que desferiu no rosto dela, os garotos já grandinhos assistiam a cena assustados.
"Marina... me desculpa... eu."
"Vou levar as crianças pra minha mãe"
Nunca se perdoou por aquilo.
"Jorge, vamos, vai se atrasar para o casamento do seu filho!"
"Já vou amor, você sempre me apressa."
E mais e mais memória.
"Nosso neto nasceu Marina!"
"É Jorge, temos uma familia linda."
Aos poucos ele ouve a voz do garoto suplicante:
- Vô, vô, vô...
Ele volta do redemoinho:
- Talvez você não entenda agora Igor, mas eu e sua vó fomos tão felizes quando nos permitimos ser.
Agora vai dormir.
Boa noite, vô.